Saturday, November 25, 2006

Sentado na primeira fila, Antônio observava com enorme atenção o contorno do bico dos seios de Renata Navarro, sua prima, na estréia de Duas saudades. "Ela sempre disse que seria atriz", pensou, sem saber o que queria ser, convencido de que essas coisas a gente nunca escolhe. "Estou sendo já - será que decidiram por mim?". Na saída, ainda na sala de espetáculo, quis saber da mãe o motivo para tanta nudez. ''É arte, meu filho, arte. É assim, não se preocupe, não". Não estava preocupado, de forma alguma. Só não entendia por que, em casa, Renata preferia trocar de roupa no escuro do banheiro. "Bonitos", continuou. Chegaram até a porta principal. Antônio demorou-se dois ou três minutos, o cartaz da peça. "Vestida".
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Duas saudades, terceiro e último ato.
Eli (abrindo os braços em direção à platéia): Abandono todas as saudades fora do corpo. Juntei pistas demais na minha vida e continuo desencontrada. Deixei os outros me vestirem; fui o desejo censurado de sempre. Não sei repetir, não posso dizer; entendo como um acidente. Acordei dolorida; sem roupa, diante do espelho, enxerguei um vestido de linho que nunca foi meu. Despida, me vi coberta do modelo dos outros. Daqui para frente, saio na rua, com medo; quero me refazer com a dor de quem se encontra no infinito do avesso.